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Em  toda  parte

As Três Laranjas

Fotografia: Daiana Almeida. Av. Bezerra de Meneses.

Falam que, se a vida te der um limão, você faça uma limonada. O que fazer quando a vida te dá três laranjas? Beto está com 24 anos, casado e com dois filhos pequenos, um menino e uma menina. Ambos estudando, como faz questão frisar. Aos 14 anos, o jovem Beto só tinha frequentado a escola até a alfabetização. Lá de onde ele vem, o Estado foi omisso por diversas vezes e jovens que vivem essa realidade tentam escapar de alguma forma. É isso, enquanto muito jovens vivem, outros apenas escapam. Beto estava tentando escapar.

 

Se a vida estava dando um limão a Beto, pelo menos deu também uma ideia. Não com limões. Ou talvez. Mas o que encontramos voando ao alto e voltando às mãos do rapaz foram laranjas. A limonada de Beto veio na forma de arte: decidiu que seria ela que lhe livraria de uma realidade tão azeda. “O malabarismo foi uma salvação para mim, por que ocupa minha mente e eu não penso em fazer besteira e é daqui que eu tiro meu sustento”. Não é exagero dizer que foi uma salvação. Outros jovens muito parecidos com o artista não tiveram um final feliz. Segundo ele, muitos hoje estão “debaixo da terra”.

 

Achamos Beto em um desses sinais de trânsito que tanto nos seguram no nosso tão atabalhoado cotidiano. Vai me dizer que vez ou outra você não se pega impaciente com sinal que simplesmente não sai do vermelho? E esse trânsito que não flui? As laranjas de Beto fluíam graciosas no ar. Um, dois, três e PÁ! Não mão dele. Um, dois, três e PÁ! No pescoço dele.

 

O artista estava em lugar de destaque no centro do asfalto. Não era possível visualizar sua plateia. Carros enfileirados com vidros levantados não permitia que víssemos a expressão de quem assistia. Será se havia alguma expressão de espanto com a habilidade do artista? Será se havia alguma criança encantada? Provavelmente. Ora, era um malabarista com maquiagem de palhaço!

 

Quando terminou sua performance, ele foi para plateia receber seu reconhecimento e voltou com algumas moedas. Uma senhora buzinou uma vez mais e acenou que queria contribuir também e o artista foi lá e recebeu como quem recebia um pedido de autógrafo. Mas não é todo dia que Beto encontra o carinho de seus espectadores.

 

“Tem gente que passa e diz assim: Ei man, por que você não vai atrás de um emprego?”. Certo dia, Beto foi pedir emprego em um supermercado. Ao chegar lá, o dono logo lhe lançou um olhar desconfiado. “Você não quer trabalhar, não. Você veio é me roubar”, disse o comerciante. Aquilo obviamente magoou o rapaz. “Já que você está achando que eu vou te roubar, você me dê três laranjas”, pediu o rapaz, meio que em tom de desafio. O dono do estabelecimento ficou ainda mais desconfiado do pedido. “Botei só meus documentos, identidade e registro e deixei dentro da bolsa no canto, botei lá e fui fazer malabarismo [...] Apurei R$ 30,00 e fui pra casa. Mas antes deu ir eu fui lá nele e disse: ‘Tá aqui os R$ 3,00 da laranja que o Senhor ainda me deu desconfiando”.

 

Também há aqueles espectadores que levantam o vidro, assustados. Além de não receber dinheiro, ainda ter que conviver com a desconfiança. Só muito amor à arte mesmo. “Se num fosse isso aí, eu tava fazendo o que não presta, mas como eu me apeguei demais nisso aí eu prefiro tá fazendo isso aqui do que tá fazendo o que não presta” confessa.

 

Um homem de família

 

Beto conta que tira, em média, R$ 400,00 por mês. Com o dinheiro, ele alimenta a mulher e os dois filhos e ainda tem que sobrar para o aluguel. Diz, sorridente, que suas crianças sentem orgulho dele. E devem sentir mesmo: já pensou que legal ter um pai que faz malabarismo e ainda se veste de palhaço? Faça chuva ou sol, Beto sai todos os dias para realizar seu trabalho. Não pode faltar. As crianças precisam dele. Nós precisamos da arte.

 

Perguntado sobre o que aquilo significa para ele, não pensa duas vezes: “O malabarismo representa pra mim eu não fazer coisa errada”. No meio de um dia-a-dia tão pesado, é um certo alívio ver aquelas laranjas dançando no ar sendo aparadas precisamente por aquele rapaz vestido todo colorido.

 

Há uma música chamada “Sonhos de um palhaço”. Nela, o autor canta versos sobre como um palhaço é mais um no meio daquele circo todo que é o mundo. Os versos poderiam ter saído da boca de Beto.

 

“Ah, no palco da ilusão
Pintei meu coração
Entreguei, entreguei amor e sonhos sem saber
Que o palhaço pinta o rosto pra viver”.

Por Gustavo Castello

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